Do
ponto de vista otimista tivemos no Brasil nos últimos 13 anos, um processo de “emancipação”,
no sentido de se ter assegurado algumas conquistas. Citamos como exemplo, o
acesso à moradia, à educação, através do Prouni, Fies, cotas para os estudantes
negros e indígenas; melhoria do poder de compra e a elevação de milhões de
pessoas ao grau de cidadãos, dentre outras. A conquista mais polêmica foi a que
regulou o trabalho das empregadas domésticas. Mas a classe dominante foi
enfraquecida? As medidas tomadas fortaleceram os trabalhadores? As massas
beneficiadas foram organizadas e conscientizadas?
Devemos
friamente considerar que, se por vários anos a esquerda em geral acreditou que
as disputas com a classe dominante eram apenas eleitorais e investiu tudo neste
rumo, desfazendo o acúmulo histórico conquistado, mesmo tendo chegado ao
governo, no aspecto da política, ao desfazer-se dos meios de luta,
“desmancipou-se” a si própria com profundos desvios de princípios e agora
sucumbe diante de um Congresso decadente, mas poderoso.
Segundo
Montesquieu, os desvios políticos começam sempre pelos princípios, por isso
comprometem a idoneidade das decisões. Sem desmerecer a importância de chegar
ao governo da república, um feito único na história brasileira, falsos
princípios de unidade e lealdade passaram a figurar como fatores orientadores das
nomeações. O objetivo da troca de favores era ter um dia a gratidão dos
nomeados, como se fossem quadros partidários.
Entenda-se que,
em primeiro lugar, um governo composto por diversos interesses e representantes
de classe, dá certo enquanto os ganhos econômicos e políticos estão garantidos
para os envolvidos. Em segundo lugar, os nomeados para os cargos de direção nas
empresas estatais, por nunca terem sido quadros revolucionários, mantém a
compostura até o dia em que não forem encurralados e, como crianças assustadas,
aceitam a “delação premiada” para fugirem dos castigos, repassando a culpa para
àqueles que a classe inimiga desejar. Em terceiro lugar, ministros, policiais
federais, agentes do ministério público, etc., não são funcionários do governo,
mas do Estado, logo, não se movem por gratidão, mas por normas, interesses e
planos de carreira. Em quarto lugar, a eleições não eternizam ninguém no
governo e esses que acreditam que devem azeitar a máquina, reduzir gastos,
retirar direitos dos trabalhadores, pensando que agradam as forças da direita,
amanhã, ao perderem as eleições, serão jogados fora e deverão voltar às ruas
para lutar contra o que fizeram.
Por
outro lado, não é difícil perceber que temos uma crise política porque antes de
tudo existe uma crise econômica que circula pelo mundo desde 2008. Sabemos
também que são clássicas as saídas que os capitalistas apresentam para as
crises: a) abrir novos mercados; b) fazer guerras para destruir as forças
produtivas e outros bens; c) recorrer às reservas do Estado privatizando o
patrimônio público e, d) retirar direitos dos trabalhadores. Dentre as quatro
possibilidades, as duas primeiras, temporariamente, estão esgotadas. Restam as
duas últimas, mas aí há que ter um governo que concorde e, mesmo que Dilma
tenha cedido em tudo, feito os ajustes contra os pobres, não cedeu totalmente
nas privatizações, nas políticas assistenciais e nos principais direitos
sociais. Daí a insistência de tirá-la do governo; querem implantar o segundo
turno do neoliberalismo tucano para o Brasil, com requintes piorados.
Traições e disputas sempre existiram na
política, mas algo está nascendo como inovação: a verdadeira luta de classes.
Acontece agora o contrário do que víamos em décadas passadas, quando éramos
reprimidos nas ruas pelas forças policiais e a classe dos exploradores,
aguardavam os resultados. Agora, as forças de direita também estão nas ruas,
pregam e praticam a violência contra os “desemancipados” para arrancarem o que
ainda resta das reservas nacionais. O inimigo agora mostra o, a cara e tem a sua identidade revelada.
A
saída então é a organização e a luta para colocar o projeto em disputa.
Enfrentar a espontaneidade que transmuta o egoísmo do mercado no individualismo
na política. Devemos afirmar os pilares do projeto superando o estágio
conciliatório embalado pela ilusão da governabilidade. O Estado é parte da
força da locomotiva do capitalismo; ninguém governa com justiça sem tirar esse
trem dos trilhos. Ademar Bogo. Filósofo e escritor.